sexta-feira, 29 de junho de 2012

Fragmentos das fogueiras do mês de junho

Relato de Pedro:

Aposto que qualquer pessoa que vivenciasse as noites de junho como eu, estaria hoje, relembrando com alegria e saudade dos acontecimentos que outrora realizaram-se durante minha infância.
Confesso que nunca fui muito religioso. Tenho nome de santo, mas isto devido a uma promessa feita a São Pedro por minha mãe durante sua gravidez complicada e com sérios riscos e que se ocorresse tudo bem eu também me chamaria Pedro.
Nasci e vivi durante um grande tempo de minha vida na roça. Quando pequeno eu e meus irmãos esperávamos ansiosos pela chegada do mês de junho e como não tínhamos muita noção do tempo sempre perguntávamos a mamãe se já estava próximo. Já que entenderão o motivo por tal grande espera!
Sempre considerei junho o mês mais importante e alegre. Não pelo fato de se encontrar na metade do calendário (até mesmo porque como foi dito, eu não tinha noção de tempo), mas pela realidade sempre renovada e festiva que nos envolvia baseada nas tradições e nos costumes populares.
Papai era um homem simples, meio acanhado mas de uma paciência e de uma bondade sem igual. Todo começo de mês ele separava uma certa quantia de dinheiro que era guardada dentro de uma caixinha de madeira para que quando chegasse a época fosse gasta na quadrilha que todos os anos se realizava em nossa casa, nos exatos 29 dias do mês tão esperado.
Chegava então a véspera do grande momento. O dia amanhecia com um ar completamente diferente e uma paz reinava como nunca antes havia acontecido; a felicidade parecia se encontrar somente ali no terreiro de nossa casa. Eram iniciados os preparativos. Bandeirinhas enfeitavam o lugar, a fogueira era armada, comidas eram preparadas (...) tudo muito bonito e cercado de um ritual baseado na busca por vivenciar plenamente aquele único e verdadeiro instante de felicidade. Tínhamos uma vida modesta, mas isso não era sinal de que tínhamos uma vida ruim. Pelo contrário, o que realmente importava era a união que podia ser comprovada principalmente nessa época!
Ao cair da tarde e quando a lua já começava aparecer no céu, o povo ia se achegando, os violeiros afinavam seus instrumentos e velas eram distribuídas para todos.
Quando a escuridão já tomava conta do local a fogueira era acesa e cada um era convidado a fazer o mesmo com a vela que tinha nas mãos e ao mesmo tempo depositar naquela fogueira todos os sonhos e esperanças presentes dentro de si para que a reza do terço fosse iniciada. O mastro com a imagem de São Pedro era erguido enquanto os violeiros entoavam cânticos. Como já disse, nunca gostei muito de rezar mas aquela cena era marcante, o terço era cantado e não recitado como de costume. Parecia que cada um ali presente possuía um brilho próprio; uma luz tão forte como aquela da vela que segurava em suas mãos calejadas e machucadas pelo serviço diário. As músicas representavam tradições e costumes daquele povo sofrido, mas que mesmo em meio a tantas dificuldades sabia agradecer e se reunia para celebrar sua rica cultura.
Terminada a parte religiosa em que o povo participava com devoção e fervor, fogos de artifícios cobriam o céu dando início a quadrilha em que até os mais velhos participavam, cada qual do seu modo. Recordo-me que as crianças ganhavam bombinhas que quando acesas eram jogadas nos pés do sanfoneiro conhecido como ''Seu Manoel''; a cada estralo era uma nota desafinada que surgia provocando risada em todos que percebiam o acontecido. O clima de festa e de euforia podia ser claramente notado no sorriso presente em cada rosto e a festa se estendia por noite adentro!
Quando tudo acabava eu ficava ali, do lado da fogueira deitado no chão de grama abservando o céu e as estrelas em sua imensidão. Refletia comigo mesmo que assim como no céu, as pessoas também podem ser comparadas as estrelas (...) cada uma com seu brilho próprio. Umas com mais intensidade e outras mais ofuscadas. Mas de que isso importa? Cada qual possuía sua importância e em conjunto formavam uma imagem que ficaria para sempre na memória e que ninguém seria capaz de descrever a paz que eu sentia em meio ao silêncio que completava minha vã e humilde filosofia!
Refletia sobre muitas outras coisas. Sobre a fé depositada em si mesmo, sobre as experiências compartilhadas, sobre a esperança, a felicidade e nossos sonhos. Ali adormecia tranquilo e com a certeza de que acordaria renovado para seguir em meus costumes e tradições sem me importar com o que haveria de vir!
Hoje ainda peço constantemente a paz daquelas noites em que a felicidade era verdadeira, sem buscar  motivos para sua explicação. Talvez o que nos falte é a coragem de sempre manter a velha fogueira acesa, pois há quem diga que as estrelas apenas brilham devido ao intenso clarão que surge da Terra e é irradiado para o infinito, ou se também preferirmos, para dentro de nós mesmos!