sexta-feira, 29 de junho de 2012

Fragmentos das fogueiras do mês de junho

Relato de Pedro:

Aposto que qualquer pessoa que vivenciasse as noites de junho como eu, estaria hoje, relembrando com alegria e saudade dos acontecimentos que outrora realizaram-se durante minha infância.
Confesso que nunca fui muito religioso. Tenho nome de santo, mas isto devido a uma promessa feita a São Pedro por minha mãe durante sua gravidez complicada e com sérios riscos e que se ocorresse tudo bem eu também me chamaria Pedro.
Nasci e vivi durante um grande tempo de minha vida na roça. Quando pequeno eu e meus irmãos esperávamos ansiosos pela chegada do mês de junho e como não tínhamos muita noção do tempo sempre perguntávamos a mamãe se já estava próximo. Já que entenderão o motivo por tal grande espera!
Sempre considerei junho o mês mais importante e alegre. Não pelo fato de se encontrar na metade do calendário (até mesmo porque como foi dito, eu não tinha noção de tempo), mas pela realidade sempre renovada e festiva que nos envolvia baseada nas tradições e nos costumes populares.
Papai era um homem simples, meio acanhado mas de uma paciência e de uma bondade sem igual. Todo começo de mês ele separava uma certa quantia de dinheiro que era guardada dentro de uma caixinha de madeira para que quando chegasse a época fosse gasta na quadrilha que todos os anos se realizava em nossa casa, nos exatos 29 dias do mês tão esperado.
Chegava então a véspera do grande momento. O dia amanhecia com um ar completamente diferente e uma paz reinava como nunca antes havia acontecido; a felicidade parecia se encontrar somente ali no terreiro de nossa casa. Eram iniciados os preparativos. Bandeirinhas enfeitavam o lugar, a fogueira era armada, comidas eram preparadas (...) tudo muito bonito e cercado de um ritual baseado na busca por vivenciar plenamente aquele único e verdadeiro instante de felicidade. Tínhamos uma vida modesta, mas isso não era sinal de que tínhamos uma vida ruim. Pelo contrário, o que realmente importava era a união que podia ser comprovada principalmente nessa época!
Ao cair da tarde e quando a lua já começava aparecer no céu, o povo ia se achegando, os violeiros afinavam seus instrumentos e velas eram distribuídas para todos.
Quando a escuridão já tomava conta do local a fogueira era acesa e cada um era convidado a fazer o mesmo com a vela que tinha nas mãos e ao mesmo tempo depositar naquela fogueira todos os sonhos e esperanças presentes dentro de si para que a reza do terço fosse iniciada. O mastro com a imagem de São Pedro era erguido enquanto os violeiros entoavam cânticos. Como já disse, nunca gostei muito de rezar mas aquela cena era marcante, o terço era cantado e não recitado como de costume. Parecia que cada um ali presente possuía um brilho próprio; uma luz tão forte como aquela da vela que segurava em suas mãos calejadas e machucadas pelo serviço diário. As músicas representavam tradições e costumes daquele povo sofrido, mas que mesmo em meio a tantas dificuldades sabia agradecer e se reunia para celebrar sua rica cultura.
Terminada a parte religiosa em que o povo participava com devoção e fervor, fogos de artifícios cobriam o céu dando início a quadrilha em que até os mais velhos participavam, cada qual do seu modo. Recordo-me que as crianças ganhavam bombinhas que quando acesas eram jogadas nos pés do sanfoneiro conhecido como ''Seu Manoel''; a cada estralo era uma nota desafinada que surgia provocando risada em todos que percebiam o acontecido. O clima de festa e de euforia podia ser claramente notado no sorriso presente em cada rosto e a festa se estendia por noite adentro!
Quando tudo acabava eu ficava ali, do lado da fogueira deitado no chão de grama abservando o céu e as estrelas em sua imensidão. Refletia comigo mesmo que assim como no céu, as pessoas também podem ser comparadas as estrelas (...) cada uma com seu brilho próprio. Umas com mais intensidade e outras mais ofuscadas. Mas de que isso importa? Cada qual possuía sua importância e em conjunto formavam uma imagem que ficaria para sempre na memória e que ninguém seria capaz de descrever a paz que eu sentia em meio ao silêncio que completava minha vã e humilde filosofia!
Refletia sobre muitas outras coisas. Sobre a fé depositada em si mesmo, sobre as experiências compartilhadas, sobre a esperança, a felicidade e nossos sonhos. Ali adormecia tranquilo e com a certeza de que acordaria renovado para seguir em meus costumes e tradições sem me importar com o que haveria de vir!
Hoje ainda peço constantemente a paz daquelas noites em que a felicidade era verdadeira, sem buscar  motivos para sua explicação. Talvez o que nos falte é a coragem de sempre manter a velha fogueira acesa, pois há quem diga que as estrelas apenas brilham devido ao intenso clarão que surge da Terra e é irradiado para o infinito, ou se também preferirmos, para dentro de nós mesmos!



quarta-feira, 30 de maio de 2012

Tempo da mudança


Gênero textual: crônica

José da Silva era um homem bem sucedido, casado, pai de dois filhos, advogado e professor universitário. Tinha fama de questionador, implicante e mal humorado. Seus alunos o viam como um carrasco. Sua história de vida era bastante conturbada e todos aqueles que conviviam com ele tinham conhecimento. 
Nascido em uma família humilde no interior de Minas Gerais, viu seu pai morrer assassinado por fazendeiros da região. Aos 18 anos foi aprovado para o curso de Direito em uma das maiores universidades públicas do país na cidade de São Paulo. Deixou de lado a vida árdua para estudar e se sustentava apenas com um mísero salário mínimo que recebia como garçom em um restaurante da grande metrópole. Formou-se no período de cinco anos e apadrinhado por um ilustre advogado ingressou logo na carreira criminalista.
Uma coisa fácil de ser notada em sua personalidade era o esforço e a vontade de trabalhar. Todos os dias as seis horas da manhã lá estava José, se aprontando para tomar seu café e cumprir sua agenda diária. Reclamava sempre quando suas camisas não estavam engomadas ou seu terno mal passsado; pedia de forma não muito educada para que as serviçais ''tratassem logo de dar um jeito naquilo''. Elas já estavam acostumadas e ainda riam de como José tinha a mania de levar a vida tão a sério. De segunda a sexta as 8 horas lá estava ele dentro das salas de aula, sempre invocando com algum aluno que ousasse o questionar ou fizesse perguntas idiotas. No período da tarde se encontrava em seu escritório onde atendia seus clientes que recorriam a ele sabendo da capacidade sem igual do ilústre advogado. Era zombador,  e costumava dizer aos estagiários que ''- durante todos os anos na carreira criminal as coisas só pioram, mas se não existissem pessoas como essas não teria trabalho''. Acabado o expediente retornava para sua casa, mas não sem antes de enfrentar o trânsito que o infernava a cada dia. Chegando, logo ia cuidar dos processos sem sobrar tempo algum para a família que sempre reclamava disso. Seu filho mais velho tinha fama de maconheiro e por isso não se dava bem com o pai; a mulher sempre vaidosa não era notada tampouco procurada; já o filho mais novo era arteiro (...) gostava de jogar bola mas sempre que convidava o pai  para brincar este não tinha tempo, a partir de então não o procurou mais.
Na manhã do dia seguinte um novo Júri Popular que se estendeu até o cair da tarde. José conseguiu convencer os jurados de forma inacreditável e o réu acusado de homicídio foi absolvido. Foi então aplaudido por alguns mas odiado por outros (como a grande maioria dos advogados).
Chegando em casa recebeu subitamente, como que uma pancada na cabeça, a notícia de que seu filho menor havia sido vítima de uma tentativa de sequestro na porta do colégio e que sua mulher fora baleada ao tentar impedir e estava internada em estado grave. Um filme de toda vida passou na cabeça daquele homem. Ao entrar no quarto do filho ele se encontrava dormindo e foi ali, do lado de sua cama, que José de joelhos entrou em prantos. Repensou em tudo o que fazia, suas atitudes mesquinhas, egoístas e dentre muitas promessas feitas uma era de que mudaria de vida se sua esposa se salvasse (...)
Meses depois lá estava sua esposa sã e salva em casa. E José? Parecia ser outro ser humano. Seus alunos não o reconheciam mais e até diziam que ele estava doente ou se convertera para alguma religião. Os estagiários até começaram a ganhar uma gorjeta extra no fim do mês pelas horas que permaneciam a mais no escritório. Seus filhos e sua mulher se tornaram seus melhores amigos e a alegria passou a fazer parte da vida daquela família. José passou até a promover encontros etílicos com os antigos amigos de faculdade; pelo menos uma vez na semana se encontravam para tomar suco de cevada e jogar conversa fora contando das experiências cotidianas e relembrando dos ''tempos de ouro'', como conheciam o tempo universitário. Mas dai pode-se perguntar: mas e as serviçais da casa de José? Ah, essas sim passaram a rir cada vez mais. Eram surpreendidas com um longo BOM DIA e recebiam abraços apertados a ponto de causar uma certa inveja na esposa. O filho antes maconheiro passou a não sentir mais vergonha do pai e o menor até zombava quando conseguia passar a bola entre suas pernas. Era outra realidade!
Todas as tardes depois do expediente passou a caminhar no parque. Em um certo dia deitou-se na grama, tirou os sapatos e ali ficou até o anoitecer observando toda criação. Buscava ainda questionamentos para a existência!
Isso se repetia durante todas as tardes e sempre percebia que ao caminhar nada encontrava. Parou, desiludiu, se cansou (...) foi então que percebeu que tudo o que procurava estava a sua frente, bastava notar a maior das simplicidades: a felicidade!
Lembrou-se da frase de Drummond que havia lido no jornal da tarde: ''Tenho apenas duas mãos e os sentimentos do mundo''. Ainda ontem queria ele, um simples humano, encontrar respostas para todos os problemas do mundo. Talvez de nada serviriam respostas se não fossem dadas soluções. Foi então que  passou a ter sentimentos, concluiu que a vida não pode ser levada tão a sério e sempre é passível de mudanças. Foi então que tudo mudou!

                             


quinta-feira, 26 de abril de 2012

Para que não esqueçamos

Diante de tantas dificuldades e lutas com as quais nos deparamos na convivência atual, é certo que todo ser humano vive cercado pelo medo.

Este é um grande problema com o qual temos que saber lidar, seja através de artimanhas ou artifícios eficazes a combater a inquietação de espírito causada por falsas idealizações da realidade.
Temos medo da falta de amor, da traição, de manter relações ou vínculos duradouros, da não realização pessoal, da morte e de outras tantas questões talvez fúteis que poderiam ser contornadas por nossas experiências. Não se pode afirmar certamente que todos possuem um sentimento de medo em relação a morte, mas talvez de espanto ou indignação. Ainda que saibamos que esta é uma das poucas certezas que temos na vida, buscamos explicações para essa ''catástrofe'' incontestável (em relação aos seus motivos) a que uma hora seremos todos destinados. A orfandade em viver plenamente e enfrentar as dificuldades que antecederão as circunstâncias podem ser as principais justificativas para esse mal, dentre tantos o maior ou mais preocupante. 

Corremos sempre contra o tempo, fazemos dele nosso principal adversário mas esquecemos do velho ditado: ''tempo é a gente que faz.'' Creio que somos nós que decidimos por sua real veracidade (...) se o visualizarmos assim, realmente acontecerá. Podemos ainda optar por tomar o tempo como principal e mais sublime aliado, pois neste frágil contexto o que vem ainda é mistério. Aproveitando dessa fragilidade tão inquieta, ganhamos forças para prosseguir na constante luta do ser e do buscar.

De nada adianta preencher nosso tempo se vivermos apenas pensando naquilo que nos faz lembrar sinais de morte; somos convidados a refletir sobre a questão de que só por estarmos vivos nos tornamos cidadãos do mundo, cada qual com sua personalidade marcante e impulsionados a cumprir sua própria missão neste indesejável mas necessário ritual de passagem.

Nada vale mais do que a liberdade, a vida e a alegria de possuí-la. São direitos fundamentais inerentes a pessoa humana e que devem ser garantidos a qualquer preço. Contudo, vivemos como escravos! Escravos acorrentados pelos grilhões que se arrastam todas as vezes que nos movimentamos incomodados pelo tratamento cruel e infeliz, praticado por muitos que se enxergam de forma radical como senhores possuidores de uma superioridade sem igual, capaz de desarticular a honra de seus semelhantes.
NÃO, viver bem não é sinônimo de alienar-se e criar um mundo apenas para para cultivar o próprio ego. Viver bem está relacionado em partilhar em comunidade tudo aquilo que construímos enquanto história.

Para que não esqueçamos dos sinais de vida, é preciso reconhecer que a esperança é o combustível essencial. Como tal, ela retoma a possibiliadade de perceber que o resultado de tudo que visamos depende de nossas escolhas. Cada escolha é um avanço necessário, que se dá no dia de hoje, confiando o mínimo no amanhã (...)  do latim: CARPE DIEM!


segunda-feira, 5 de março de 2012

Primeira pessoa do singular

Após algumas semanas de recesso volto a escrever para o blog e o faço com grande alegria. Durante essas semanas estávamos sem internet em casa e este simples acontecimento corriqueiro me fez refletir sobre a pessoa humana (no sentido amplo da palavra) e sobre sua necessidade de manter-se conectado ao mundo em que vive.
Desde os tempos mais remotos o homem mostrou-se como o principal responsável por sua evolução. Criou inúmeras coisas, recriou, inventou, copiou (...) mas tudo isso em prol de estabelecer uma melhor maneira de se situar e acomodar-se diante da vasta esfera global. É certo que algumas invenções não atenderam as expectativas desejadas, como por exemplo a bomba atômica, que, embora fora criada pelo próprio homem também contribuiu para sua morte e gera ainda o medo de seus reflexos inesperados, fazendo com que milhares de nações se curvem diante do temor interrupto de serem assoladas por este pecado concebido no seio de uma capacidade intelectual extremamente avançada.
Segundo o filósofo Rousseau ''o homem nasce bom e a sociedade o corrompe.'' Ainda que árdua creio que realmente seja isso que acontece; todos nós nascemos vocacionados ao amor e aptos a proporcionar o bem estar comum. Daí surge a figura da sociedade cada vez mais individualista, consumista, egoísta e com tantos outros adjetivos capazes de encher a boca e o pensamento dos críticos mais apurados que nada fazem para solucioná-los. Passamos a ser moldados conforme o gosto e os interesses sociais. Em outras palavras, nos tornamos súditos corrompidos pela imoralidade sem fim.
O exercício do ''pensar em si próprio'' faz com que nos distanciemos cada vez mais de tudo que nos cerca. Como? Passamos a atender apenas nossos interesses criando um mundo onde existe apenas o personagem principal sem espaço para figurantes. Torcemos contra a felicidade e o progresso dos outros, deixando-nos inquietos quando isso acontece. Criamos situações inexistentes, cultivamos a inveja e o rancor, somos impiedosos. Fazemos com que potentes bombas atômicas atinjam e destruam o bem valioso de maior importância de nossos semelhantes, a vida!
A medida em que o tempo passa mudanças ocorrem e consequentemente também acompanhamos este processo de renascimento, se assim me permitem dizer. Chico Buarque fala que "- As pessoas tem medo da mudança. Eu tenho medo que as coisas nunca mudem.'' Confesso que também tenho esse medo, afinal só sabemos o gosto da comida se provarmos dela, experimentarmos o novo.
Surge então o impasse. A alegria de acompanhá-lo é a mística que envolve a grande maioria mas que ao mesmo tempo se faz pequeno diante daquele que se reconhece também pequeno e passa a conjugar seus preceitos e atitudes não mais em primeira pessoa do singular, mas em pluralidade sem nenhum tipo de pudor (...) esta é a vida, que se renova e não busca sentidos para isso. Salve grande vida!


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Caixa de memórias

Era quase final de noite e eu ainda me encontrava acordado em meu quarto arrumando algumas coisas, separando outras e até mesmo jogando fora aquilo que não mais me servia. Tudo isso pelo simples motivo de ter que organizar minhas malas para voltar a rotina de estudos.
Eram inúmeras folhas de papel, livros, cartas, fotografias e objetos espalhados pelo chão. Algumas coisas muito empoeiradas, também pelo tempo que já estavam guardadas já era de se esperar. A pressa em arrumar tudo aquilo era cada vez maior, pois queria me livrar logo daquela tarefa que na verdade fui quase que obrigado a fazer. Tinha que separar tudo e colocar dentro de caixas para serem guardadas.
De repente uma coisa em meio aquela bagunça me chamou atenção (...) era uma avaliação de história de quando eu estava na 4º série. Comecei a ler aquelas folhas, eu estava aprendendo sobre o feudalismo. Alguns erros de português podiam ser notados, mas isso não era motivo de preocupação naquele momento. Resolvi então parar um pouco e comecei a olhar com calma tudo que ali estava. Várias outras avaliações foram encontradas (entre elas a de matemática, matéria que nunca me simpatizei muito bem); o livro ''O Líquido Verde Folha'' que foi o primeiro livro que li em minha vida estava também ali com a capa meio amassada. Fotografias da minha infância era o que mais tinha (...) até do dia em que coloquei fogo atrás da estante da sala, quando tinha 5 anos de idade. Dos passeios nas tardes de domingo com meus pais. Dos tempos mais recentes, em que os amigos se encontravam todos juntos, época onde a amizade fazia jus ao nome e que hoje em dia por algum motivo banal muitos não se dão tão bem.
De um momento para o outro bateu uma nostalgia. Saudades daquele tempo em que a simplicidade realmente era conhecida e vivenciada todos os dias. Saudades de um tempo que parece ter passado rápido demais e que não têm mais volta. Saudades da professora que era respeitosamente era chamada de ''tia'' na época do colégio.
Mas chegou a hora de guardar todas essas memórias em uma caixa, já estava ficando tarde. Com muito cuidado guardei tudo que ali estava sem me esquecer de nada. Se forem bem guardadas serão sempre preservadas e sei que nada impede que eu possa recordá-las quando quiser. Afinal, a vida de homens e mulheres só pode ser compreendida através de suas memórias.
Em um determinado momento da vida é preciso fazer nossas próprias escolhas. É preciso correr atrás daquilo que nos faz crescer. Mas como já dizia o escritor ''recordar é viver'', o que acham de reservar um tempo de viver para recordar também?
Que as caixas de memórias sirvam de abrigo para as recordações mas que nunca permaneçam fechadas, pois memórias são construções que nunca podem ser totalmente concluídas!

                                   

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O assassinato do Padre João Batista de Carvalho

Créditos iniciais: esta narração é baseada em fatos reais. Serviram como fontes de pesquisa a Revista ''Centenário da Paróquia'', o livro ''O Salão dos Passos Perdidos'' do advogado de defesa Evandro Lins e Silva, fragmentos do processo do caso e documentos pessoais.
Deixo expressamente claro que esta é a versão que se sabe sobre o fato, o que quer dizer que não tenha acontecido realmente dessa forma. Existe a hipótese de que o senhor padre tenha SIM tido um relacionamento com a senhora Teresa Pannain!


Ano de 1950 (...)

Maria da Fé uma cidade pacata do interior de Minas Gerais, vivia o auge da produção de batata que era a principal fonte de renda do seu povo. De maneira comum, possuía também uma locomotiva que ligava a pequena cidade aos municípios vizinhos.
Coronel Silvestre Ferraz era aquele que detinha um grande poder na cidade, era considerado por muitos um homem de boa índole e muito respeitado. A religiosidade daquele povo era um dos valores mais marcantes, tanto que algumas décadas atrás a população se uniu e abraçou a idéia da construção de um templo digno para a celebração de novenas, missas e sacramentos da fé Católica. A igreja era dedicada à Nossa Senhora de Lourdes, padroeira da cidade e daquele povo humilde, que, em sua simplicidade demonstrava sua devoção à Maria. No mês de maio eram realizadas coroações... as crianças se vestiam de anjos, cantos eram entoados e a imagem da Virgem coroada solenemente.
Nada disso poderia acontecer sem a presença de um vigário, é claro. Padre joão Batista de Carvalho era um jovem sacerdote natural de Pouso Alegre-MG e residia na cidade de Maria da Fé desde 1948. Era um homem muito pobre, sofria de sérios problemas de estômago. Certa vez foi encaminhado para uma cirurgia em São Paulo que lhe fora paga pelo Cel. Silvestre Ferraz, mas sem que ele próprio soubesse. Não possuía nem mesmo um pijama para ficar no hospital, apenas sua batina preta - de uso comum dos sacerdotes em tempos antigos - e um sapato velho. Padre João era possuidor de uma bela voz e acompanhava do altar os cantos entoados do coro da igreja. Morava na simples casa paroquial com sua mãe já idosa e era muito querido pelo povo que reconhecia seu trabalho prestado junto a comunidade.
Ao lado da casa paroquial morava um dentista vindo do Rio de Janeiro e com ele sua cunhada Teresa Pannain. Teresa era uma moça de 28 anos que sofria de tuberculose e veio para Maria da Fé se tratar, uma vez que o clima da cidade era propício. Na proximidade quase que diária ela acabou se apaixonando pelo padre. Enviava-lhe cartas, telefonava para a casa paroquial, insinuava-se toda vez que o via na janela da casa paroquial ou até mesmo na rua. Pedia ao padre que deixasse o sacerdócio de lado e se casasse com ela.
Padre João não se conformava com tais atitudes indecentes vindas da moça. Chegou a pedir a sua mãe que não mais atendesse o telefone da casa e que se ela o procurasse dizer que não estava. Comentava com algumas pessoas mais íntimas (dentre elas Monsenhor Pedro Cintra que era padre na cidade de Borda da Mata) que tinha pena de Teresa e que ele pensava até mesmo em pedir transferência para outra cidade. Os meses passaram e aquele amor - se pode se chamar mesmo de amor - foi crescendo e ficando cada vez mais doentio em relação ao padre que nunca lhe retribuía.
Teresa vendo que não iria atingir seu objetivo, resolveu ligar para seu irmão Omar Pannain que era Tenente do Exército, dizendo-lhe que o padre havia abusado dela e que por esse motivo estava grávida. Pediu que seu irmão viesse o mais rápido possível do Rio de Janeiro para resolver a situação.
Era manhã do dia 18 de agosto de 1950, sexta feira. O dia amanheceu chuvoso, mas mesmo assim Padre João estava de pé  para celebrar a cotidiana missa das 7 horas para os fiéis na Capela do Santíssimo. Padre João dirigiu-se até a igreja para paramentar-se e dar início a celebração. Pobre padre, mal sabia que aquela era sua última Eucaristia a ser celebrada. Mal sabia que caminhava rumo a sua última súplica pela salvação e horas depois estaria desfalecido.
No momento em que a missa acontecia o Tenente Omar Pannain chegava na cidade de Itajubá e tomando um táxi pediu que o levasse até a igreja de Maria da Fé. Chegando no local recomendou ao taxista que esperasse ali por 20 minutos, pois iria apenas fazer algumas orações. Após isso entrou na igreja (...)
O Tenente Omar Pannain dirigiu-se logo até a Capela do Santíssimo onde os fiéis estavam reunidos. A misssa estava prestes a acabar e ele então resolveu perguntar a uma das beatas que ali estava:
- Senhora, este é o padre João Batista de Carvalho? E ela respondeu em tom baixo de voz:
- Sim, é ele mesmo!
A missa então chegou ao fim. Os fiéis saíram da igreja e o padre caminhou rumo a sacristia que se encontrava na Capela de Nossa Senhora do Rosário. Não havia mais ninguém dentro da igreja, a não ser Omar Pannain que logo dirigiu-se até lá também. Chegando no local, o Tenente questionou o padre:
- O senhor é o Padre João Batista de Carvalho que outrora abusara de minha irmã Teresa? Não houve nem tempo para a resposta do padre. Omar atirou-se em cima dele e por alguns minutos houve uma luta corporal. Omar então sacou sua arma, uma Mauser de sete (7) tiros - arma exclusiva do exército - e disparou contra o padre que caiu por terra. Três tiros atingiram seu abdômen e dois tiros atingiram sua garganta. Outro tiro atingiu o altar de Nossa Senhora do Rosário (foto) e outro tiro ricocheteou para o tapete. O tenente saiu correndo até o táxi e pediu que o deixasse no Batalhão de Itajubá onde se entregou por ser militar.
O padre caído no chão foi socorrido por dois homens e levado até a Santa Casa de Misericórdia de Itajubá onde morreu no dia seguinte (19 de agosto de 1950).
 A população se encheu de luto, a igreja ficou fechada durante 9 dias para as investigações. Um fato chamou a atenção de todos: o sangue do padre que estava no chão não se coagulou e estava comprovado que ele não era hemofílico. MILAGRE? Todos se perguntavam! Não sabemos. Apenas reconhecemos a honra do Padre João Batista de Carvalho que soube vivenciar seu sacerdócio até o último dia de sua vida.

OBS: o Tenente Omar Pannain ficou dois anos preso. Foi julgado na cidade de Varginha- MG e teve como advogado de defesa o ilústre jurista Evandro Lins e Silva. Foi condenado em 1º instância, coube recurso. Já em 2º instância foi absolvido. Passado algum tempo faleceu  na cidade do Rio de Janeiro. A senhora Teresa Pannain, causa da morte do padre, está viva até hoje.

                               Marcas dos tiros no altar da Capela de Nossa Senhora do Rosário
                               (detalhe: uma das balas também atingiu e quebrou o pé do santo)











terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Por entre fios e teares

A experiência da criação é tão importante quanto a da restauração. Ora precisamos criar, ora restaurar  aquilo que já está pronto, porém danificado.
Vez em quando nos deparamos com imagens da realidade totalmente deterioradas, que parecem não ter solução alguma. Imagens criadas a partir da ânsia humana pelo poder, pela ganância e pela impiedade diante do seu semelhante. Daí é que começa o processo catastrófico do ''morrer aos poucos''. Nós morremos aos poucos quando negamos ao outro o que sonhamos para nós mesmos.
A tecelagem é um trabalho manual rico em sentidos e simbologias (!) Imagine a seguinte cena: uma mãe como de costume diário põe-se a tecer. Seu filho de apenas seis anos se encontra sentado em um banco baixo ao seu lado e vê a peça que está sendo criada de baixo para cima, ou seja, consegue enxergar apenas a parte feia e sem vida. Então ele resolve  questionar sua mãe por qual motivo ela perdia seu tempo realizando aquele trabalho, uma vez que se ele próprio não havia gostado as outras pessoas também não haveriam de gostar. Pacientemente a mãe sorri e como que em um gesto de humildade abaixa o tear para que o filho pudesse ver a parte superior da peça, onde todas as linhas (que antes eram apenas fios ou retalhos qualquer) se encontram em harmonia formando uma imagem. O menino então sorri; em sinal de satisfação e alegria logo vai ao encontro da mãe dando-lhe um forte abraço.
Por inúmeras vezes nós somos essa criança sentada em um  banco baixo. Enxergamos apenas a parte sem vida e sem sentido. Não entendemos nada. Ficamos a espera de uma explicação, talvez até de uma ação inesperada. Se não tivermos uma atitude ousada como a daquela criança, que se pôs a perguntar, poderemos ficar ali sentados por horas e horas sem compreender a situação. O questionamento não é sinônimo de desconfiança ou de descrédito, longe disso. Questionar é buscar conhecimento, buscar respostas, adquirir um sentido amplo.
A ousadia da criança fez com que a mãe percebesse que de nada lhe valheria tanta beleza representada em seu trabalho se não fosse compartilhada com alguém. Imagino a alegria estampada no rosto do menino toda vez que olhassse para a peça. Alegria de poder enxergar cores fortes e vibrantes e não mais emaranhados de linhas.
Nossa vida é assim minha gente. Temos que recolher retalhos, ou se preferir, fios de linhas que estão jogados por um canto qualquer. De imediato eles podem parecer inúteis, mas quando colocados em união se misturam formando imagens surpreendentes. Imagens capazes de modificar a visão de alguém, de estabelecer um novo sentido.
Nossa vida não teria e não terá sentido enquanto nossas atitudes permanecerem como retalhos. Nós não podemos ser comparados a retalhos. Somos muito mais que isso, somos peças já prontas e que vez ou outra precisam ser reparadas. Uma costura daqui, outra dali. Nada demais, apenas pequenos reparos para que nossa forma anterior volte ou até mesmo melhore.
Os teares não podem ser administrados por qualquer pessoa, ele exige uma técnica. Podemos aprendê-la! Assim, sempre que possível iremos tecer novas histórias para a peça principal que muitos têm mas não sabem valorizar. Tecer é muito mais do que um ofício. Pode tornar-se um lazer também, desde que o façamos de forma prazerosa. 
Comecemos nossa trama. Até o final do dia creio que a peça estará pronta. E se não sair perfeita paciência... temos muito tempo ainda para tecer, o que não podemos é nos deixar levar pelo cansaço, pois temos de tecer pelo menos uma peça a cada novo dia!