quarta-feira, 30 de maio de 2012

Tempo da mudança


Gênero textual: crônica

José da Silva era um homem bem sucedido, casado, pai de dois filhos, advogado e professor universitário. Tinha fama de questionador, implicante e mal humorado. Seus alunos o viam como um carrasco. Sua história de vida era bastante conturbada e todos aqueles que conviviam com ele tinham conhecimento. 
Nascido em uma família humilde no interior de Minas Gerais, viu seu pai morrer assassinado por fazendeiros da região. Aos 18 anos foi aprovado para o curso de Direito em uma das maiores universidades públicas do país na cidade de São Paulo. Deixou de lado a vida árdua para estudar e se sustentava apenas com um mísero salário mínimo que recebia como garçom em um restaurante da grande metrópole. Formou-se no período de cinco anos e apadrinhado por um ilustre advogado ingressou logo na carreira criminalista.
Uma coisa fácil de ser notada em sua personalidade era o esforço e a vontade de trabalhar. Todos os dias as seis horas da manhã lá estava José, se aprontando para tomar seu café e cumprir sua agenda diária. Reclamava sempre quando suas camisas não estavam engomadas ou seu terno mal passsado; pedia de forma não muito educada para que as serviçais ''tratassem logo de dar um jeito naquilo''. Elas já estavam acostumadas e ainda riam de como José tinha a mania de levar a vida tão a sério. De segunda a sexta as 8 horas lá estava ele dentro das salas de aula, sempre invocando com algum aluno que ousasse o questionar ou fizesse perguntas idiotas. No período da tarde se encontrava em seu escritório onde atendia seus clientes que recorriam a ele sabendo da capacidade sem igual do ilústre advogado. Era zombador,  e costumava dizer aos estagiários que ''- durante todos os anos na carreira criminal as coisas só pioram, mas se não existissem pessoas como essas não teria trabalho''. Acabado o expediente retornava para sua casa, mas não sem antes de enfrentar o trânsito que o infernava a cada dia. Chegando, logo ia cuidar dos processos sem sobrar tempo algum para a família que sempre reclamava disso. Seu filho mais velho tinha fama de maconheiro e por isso não se dava bem com o pai; a mulher sempre vaidosa não era notada tampouco procurada; já o filho mais novo era arteiro (...) gostava de jogar bola mas sempre que convidava o pai  para brincar este não tinha tempo, a partir de então não o procurou mais.
Na manhã do dia seguinte um novo Júri Popular que se estendeu até o cair da tarde. José conseguiu convencer os jurados de forma inacreditável e o réu acusado de homicídio foi absolvido. Foi então aplaudido por alguns mas odiado por outros (como a grande maioria dos advogados).
Chegando em casa recebeu subitamente, como que uma pancada na cabeça, a notícia de que seu filho menor havia sido vítima de uma tentativa de sequestro na porta do colégio e que sua mulher fora baleada ao tentar impedir e estava internada em estado grave. Um filme de toda vida passou na cabeça daquele homem. Ao entrar no quarto do filho ele se encontrava dormindo e foi ali, do lado de sua cama, que José de joelhos entrou em prantos. Repensou em tudo o que fazia, suas atitudes mesquinhas, egoístas e dentre muitas promessas feitas uma era de que mudaria de vida se sua esposa se salvasse (...)
Meses depois lá estava sua esposa sã e salva em casa. E José? Parecia ser outro ser humano. Seus alunos não o reconheciam mais e até diziam que ele estava doente ou se convertera para alguma religião. Os estagiários até começaram a ganhar uma gorjeta extra no fim do mês pelas horas que permaneciam a mais no escritório. Seus filhos e sua mulher se tornaram seus melhores amigos e a alegria passou a fazer parte da vida daquela família. José passou até a promover encontros etílicos com os antigos amigos de faculdade; pelo menos uma vez na semana se encontravam para tomar suco de cevada e jogar conversa fora contando das experiências cotidianas e relembrando dos ''tempos de ouro'', como conheciam o tempo universitário. Mas dai pode-se perguntar: mas e as serviçais da casa de José? Ah, essas sim passaram a rir cada vez mais. Eram surpreendidas com um longo BOM DIA e recebiam abraços apertados a ponto de causar uma certa inveja na esposa. O filho antes maconheiro passou a não sentir mais vergonha do pai e o menor até zombava quando conseguia passar a bola entre suas pernas. Era outra realidade!
Todas as tardes depois do expediente passou a caminhar no parque. Em um certo dia deitou-se na grama, tirou os sapatos e ali ficou até o anoitecer observando toda criação. Buscava ainda questionamentos para a existência!
Isso se repetia durante todas as tardes e sempre percebia que ao caminhar nada encontrava. Parou, desiludiu, se cansou (...) foi então que percebeu que tudo o que procurava estava a sua frente, bastava notar a maior das simplicidades: a felicidade!
Lembrou-se da frase de Drummond que havia lido no jornal da tarde: ''Tenho apenas duas mãos e os sentimentos do mundo''. Ainda ontem queria ele, um simples humano, encontrar respostas para todos os problemas do mundo. Talvez de nada serviriam respostas se não fossem dadas soluções. Foi então que  passou a ter sentimentos, concluiu que a vida não pode ser levada tão a sério e sempre é passível de mudanças. Foi então que tudo mudou!