terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O assassinato do Padre João Batista de Carvalho

Créditos iniciais: esta narração é baseada em fatos reais. Serviram como fontes de pesquisa a Revista ''Centenário da Paróquia'', o livro ''O Salão dos Passos Perdidos'' do advogado de defesa Evandro Lins e Silva, fragmentos do processo do caso e documentos pessoais.
Deixo expressamente claro que esta é a versão que se sabe sobre o fato, o que quer dizer que não tenha acontecido realmente dessa forma. Existe a hipótese de que o senhor padre tenha SIM tido um relacionamento com a senhora Teresa Pannain!


Ano de 1950 (...)

Maria da Fé uma cidade pacata do interior de Minas Gerais, vivia o auge da produção de batata que era a principal fonte de renda do seu povo. De maneira comum, possuía também uma locomotiva que ligava a pequena cidade aos municípios vizinhos.
Coronel Silvestre Ferraz era aquele que detinha um grande poder na cidade, era considerado por muitos um homem de boa índole e muito respeitado. A religiosidade daquele povo era um dos valores mais marcantes, tanto que algumas décadas atrás a população se uniu e abraçou a idéia da construção de um templo digno para a celebração de novenas, missas e sacramentos da fé Católica. A igreja era dedicada à Nossa Senhora de Lourdes, padroeira da cidade e daquele povo humilde, que, em sua simplicidade demonstrava sua devoção à Maria. No mês de maio eram realizadas coroações... as crianças se vestiam de anjos, cantos eram entoados e a imagem da Virgem coroada solenemente.
Nada disso poderia acontecer sem a presença de um vigário, é claro. Padre joão Batista de Carvalho era um jovem sacerdote natural de Pouso Alegre-MG e residia na cidade de Maria da Fé desde 1948. Era um homem muito pobre, sofria de sérios problemas de estômago. Certa vez foi encaminhado para uma cirurgia em São Paulo que lhe fora paga pelo Cel. Silvestre Ferraz, mas sem que ele próprio soubesse. Não possuía nem mesmo um pijama para ficar no hospital, apenas sua batina preta - de uso comum dos sacerdotes em tempos antigos - e um sapato velho. Padre João era possuidor de uma bela voz e acompanhava do altar os cantos entoados do coro da igreja. Morava na simples casa paroquial com sua mãe já idosa e era muito querido pelo povo que reconhecia seu trabalho prestado junto a comunidade.
Ao lado da casa paroquial morava um dentista vindo do Rio de Janeiro e com ele sua cunhada Teresa Pannain. Teresa era uma moça de 28 anos que sofria de tuberculose e veio para Maria da Fé se tratar, uma vez que o clima da cidade era propício. Na proximidade quase que diária ela acabou se apaixonando pelo padre. Enviava-lhe cartas, telefonava para a casa paroquial, insinuava-se toda vez que o via na janela da casa paroquial ou até mesmo na rua. Pedia ao padre que deixasse o sacerdócio de lado e se casasse com ela.
Padre João não se conformava com tais atitudes indecentes vindas da moça. Chegou a pedir a sua mãe que não mais atendesse o telefone da casa e que se ela o procurasse dizer que não estava. Comentava com algumas pessoas mais íntimas (dentre elas Monsenhor Pedro Cintra que era padre na cidade de Borda da Mata) que tinha pena de Teresa e que ele pensava até mesmo em pedir transferência para outra cidade. Os meses passaram e aquele amor - se pode se chamar mesmo de amor - foi crescendo e ficando cada vez mais doentio em relação ao padre que nunca lhe retribuía.
Teresa vendo que não iria atingir seu objetivo, resolveu ligar para seu irmão Omar Pannain que era Tenente do Exército, dizendo-lhe que o padre havia abusado dela e que por esse motivo estava grávida. Pediu que seu irmão viesse o mais rápido possível do Rio de Janeiro para resolver a situação.
Era manhã do dia 18 de agosto de 1950, sexta feira. O dia amanheceu chuvoso, mas mesmo assim Padre João estava de pé  para celebrar a cotidiana missa das 7 horas para os fiéis na Capela do Santíssimo. Padre João dirigiu-se até a igreja para paramentar-se e dar início a celebração. Pobre padre, mal sabia que aquela era sua última Eucaristia a ser celebrada. Mal sabia que caminhava rumo a sua última súplica pela salvação e horas depois estaria desfalecido.
No momento em que a missa acontecia o Tenente Omar Pannain chegava na cidade de Itajubá e tomando um táxi pediu que o levasse até a igreja de Maria da Fé. Chegando no local recomendou ao taxista que esperasse ali por 20 minutos, pois iria apenas fazer algumas orações. Após isso entrou na igreja (...)
O Tenente Omar Pannain dirigiu-se logo até a Capela do Santíssimo onde os fiéis estavam reunidos. A misssa estava prestes a acabar e ele então resolveu perguntar a uma das beatas que ali estava:
- Senhora, este é o padre João Batista de Carvalho? E ela respondeu em tom baixo de voz:
- Sim, é ele mesmo!
A missa então chegou ao fim. Os fiéis saíram da igreja e o padre caminhou rumo a sacristia que se encontrava na Capela de Nossa Senhora do Rosário. Não havia mais ninguém dentro da igreja, a não ser Omar Pannain que logo dirigiu-se até lá também. Chegando no local, o Tenente questionou o padre:
- O senhor é o Padre João Batista de Carvalho que outrora abusara de minha irmã Teresa? Não houve nem tempo para a resposta do padre. Omar atirou-se em cima dele e por alguns minutos houve uma luta corporal. Omar então sacou sua arma, uma Mauser de sete (7) tiros - arma exclusiva do exército - e disparou contra o padre que caiu por terra. Três tiros atingiram seu abdômen e dois tiros atingiram sua garganta. Outro tiro atingiu o altar de Nossa Senhora do Rosário (foto) e outro tiro ricocheteou para o tapete. O tenente saiu correndo até o táxi e pediu que o deixasse no Batalhão de Itajubá onde se entregou por ser militar.
O padre caído no chão foi socorrido por dois homens e levado até a Santa Casa de Misericórdia de Itajubá onde morreu no dia seguinte (19 de agosto de 1950).
 A população se encheu de luto, a igreja ficou fechada durante 9 dias para as investigações. Um fato chamou a atenção de todos: o sangue do padre que estava no chão não se coagulou e estava comprovado que ele não era hemofílico. MILAGRE? Todos se perguntavam! Não sabemos. Apenas reconhecemos a honra do Padre João Batista de Carvalho que soube vivenciar seu sacerdócio até o último dia de sua vida.

OBS: o Tenente Omar Pannain ficou dois anos preso. Foi julgado na cidade de Varginha- MG e teve como advogado de defesa o ilústre jurista Evandro Lins e Silva. Foi condenado em 1º instância, coube recurso. Já em 2º instância foi absolvido. Passado algum tempo faleceu  na cidade do Rio de Janeiro. A senhora Teresa Pannain, causa da morte do padre, está viva até hoje.

                               Marcas dos tiros no altar da Capela de Nossa Senhora do Rosário
                               (detalhe: uma das balas também atingiu e quebrou o pé do santo)











terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Por entre fios e teares

A experiência da criação é tão importante quanto a da restauração. Ora precisamos criar, ora restaurar  aquilo que já está pronto, porém danificado.
Vez em quando nos deparamos com imagens da realidade totalmente deterioradas, que parecem não ter solução alguma. Imagens criadas a partir da ânsia humana pelo poder, pela ganância e pela impiedade diante do seu semelhante. Daí é que começa o processo catastrófico do ''morrer aos poucos''. Nós morremos aos poucos quando negamos ao outro o que sonhamos para nós mesmos.
A tecelagem é um trabalho manual rico em sentidos e simbologias (!) Imagine a seguinte cena: uma mãe como de costume diário põe-se a tecer. Seu filho de apenas seis anos se encontra sentado em um banco baixo ao seu lado e vê a peça que está sendo criada de baixo para cima, ou seja, consegue enxergar apenas a parte feia e sem vida. Então ele resolve  questionar sua mãe por qual motivo ela perdia seu tempo realizando aquele trabalho, uma vez que se ele próprio não havia gostado as outras pessoas também não haveriam de gostar. Pacientemente a mãe sorri e como que em um gesto de humildade abaixa o tear para que o filho pudesse ver a parte superior da peça, onde todas as linhas (que antes eram apenas fios ou retalhos qualquer) se encontram em harmonia formando uma imagem. O menino então sorri; em sinal de satisfação e alegria logo vai ao encontro da mãe dando-lhe um forte abraço.
Por inúmeras vezes nós somos essa criança sentada em um  banco baixo. Enxergamos apenas a parte sem vida e sem sentido. Não entendemos nada. Ficamos a espera de uma explicação, talvez até de uma ação inesperada. Se não tivermos uma atitude ousada como a daquela criança, que se pôs a perguntar, poderemos ficar ali sentados por horas e horas sem compreender a situação. O questionamento não é sinônimo de desconfiança ou de descrédito, longe disso. Questionar é buscar conhecimento, buscar respostas, adquirir um sentido amplo.
A ousadia da criança fez com que a mãe percebesse que de nada lhe valheria tanta beleza representada em seu trabalho se não fosse compartilhada com alguém. Imagino a alegria estampada no rosto do menino toda vez que olhassse para a peça. Alegria de poder enxergar cores fortes e vibrantes e não mais emaranhados de linhas.
Nossa vida é assim minha gente. Temos que recolher retalhos, ou se preferir, fios de linhas que estão jogados por um canto qualquer. De imediato eles podem parecer inúteis, mas quando colocados em união se misturam formando imagens surpreendentes. Imagens capazes de modificar a visão de alguém, de estabelecer um novo sentido.
Nossa vida não teria e não terá sentido enquanto nossas atitudes permanecerem como retalhos. Nós não podemos ser comparados a retalhos. Somos muito mais que isso, somos peças já prontas e que vez ou outra precisam ser reparadas. Uma costura daqui, outra dali. Nada demais, apenas pequenos reparos para que nossa forma anterior volte ou até mesmo melhore.
Os teares não podem ser administrados por qualquer pessoa, ele exige uma técnica. Podemos aprendê-la! Assim, sempre que possível iremos tecer novas histórias para a peça principal que muitos têm mas não sabem valorizar. Tecer é muito mais do que um ofício. Pode tornar-se um lazer também, desde que o façamos de forma prazerosa. 
Comecemos nossa trama. Até o final do dia creio que a peça estará pronta. E se não sair perfeita paciência... temos muito tempo ainda para tecer, o que não podemos é nos deixar levar pelo cansaço, pois temos de tecer pelo menos uma peça a cada novo dia!









quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Da entrega (...)

''Escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém, provavelmente minha própria vida.''
(Clarice Lispector)

Confesso que a idéia de criar um blog é tão recente quanto ao momento em que escrevo, ou melhor dizendo, digito estas palavras.
A escrita é um dos principais instrumentos pelos quais se pode analisar a cultura de um determinado povo ou de uma sociedade. Rabiscar palavras é bem mais do que um simples ato que realizamos todos os dias, seja na assinatura de um documento, anotações de receitas ou qualquer atividade relacionada. Rabiscar palavras é fazer com que nossas idéias abstratas se tornem, de certa forma, concretas. É permitir que um simples pedaço de papel se transforme em apoio para pensamentos que outrora estavam desordenados e que agora se sustentam de forma lógica e clara. 
Penso que escrever, é também um meio de salvar vidas. Isto devido ao fato de colocar em prática nossas experiências cotidianas, onde registradas uma vez, tornam-se eternas no mundo das idéias. Gosto da expressão ''eternizar''; me remete a idéia de tornar completo, marcar presença, registrar história. Quantas foram as vezes que eternizamos a vida de alguém? Quais momentos eternizamos em nossa memória? Quais pessoas juramos um dia eternizar junto de nós e que por algum motivo banal se afastaram? Tais questionamentos não podem ser respondidos de forma fácil, tampouco objetiva.
Viver bem, estar bem com si próprio e com os outros, compartilhar experiências (...)  são fatos inerentes a qualquer ser humano, basta aceitá-los e fazer com que aconteçam no decorrer dos dias.
As Janelas estão Abertas. Permitir ou não que elas permaneçam assim, é uma decisão pessoal. Devemos saber equilibrar esta situação, pois durante o dia o sol pode entrar através delas, mas quando chega a noite o frio toma o seu lugar. Mas isto não quer dizer também que não possamos contemplar a paisagem noturna. A maior preocupação está em não deixar que nossas janelas interiores se fechem, para que estejamos sempre abertos a novos tempos tranformadores do viver.
Este é o primeiro post do blog Janelas Abertas. De início o desejo é que suas palavras, caro leitor, não se percam pelo vento. Que estejam soltas sim, mas seguras em seu pensamento. Não tenhamos medo de abrir as janelas, pois através delas também podemos contemplar o que há de novo e surpreendente na realidade! 
 
 
 
                                                            Foto de Domingos Tótora